sábado, 10 de outubro de 2009

Mujeres Argentinas & Gauchas

Por Renato Teixeira. (no Blog do Nassif)

"Havia entre elas uma admiração incontida. Mas não se conheciam."
Pensei em não escrever sobre Mercedes. Não sou ligado em obituários, embora, muitas vezes, eles sejam inevitáveis.

Então, em vez do obituário, vou contar um lindo episódio que aconteceu um dia, quando a Ellis e a Mercedes, finalmente, se conheceram pessoalmente.

Havia entre elas uma admiração incontida. Mas não se conheciam.

Ellis, que sempre soube de sua grandeza, tinha um comportamento, não diria complicado, mas bastante critico em relação á qualidade artística das pessoas; jamais rasgaria sedas para Mercedes e fingia não valorizar muito a grandeza da outra. Mas seu olhar não sabia esconder suas verdades. Ellis mirou em Mercedes quando decidiu interpretar “Gracias a La Vida”, de Violeta Parra. São as duas maiores interpretações, entre as muitas, que essa canção já teve. A gravação de Ellis foi uma clara e personalíssima declaração de amor á Mercedes.

Ellis gravou minha musica “Romaria”, uma canção que, de certa maneira, “latiniza” um pouco a musica caipira.

“Importei” muitas coisas da nova canção folck que se estabeleceu na Argentina quando Mercedes decidiu ir além, abrindo mão dos confortos todos em nome das liberdades dos povos, e fez soar os tambores com canções cheias de conteúdo humano. “Romaria” tem, em seu DNA, um pouco do sentimento emocionado que se ouve nas milongas de Athaualpa de Yupanqui, por exemplo.

O disco de Mercedes que abriu os horizontes musicais que norteiam meu trabalho até hoje, chamava-se “Mulheres Argentinas”.

E, assim, começou a escalada; gravei meus primeiros discos.

Durante uma excursão a Hushuaya, na Terra do Fogo, ao sul Argentino, o compositor Leon Gieco ouviu algumas das minhas musicas e, segundo suas próprias palavras no livro que escreveu sobre essa “gira al sur” , como eles dizem, identificou a influencia de Mercedes no meu trabalho e comentou com os músicos de sua banda que os brasileiros estavam usando bem as influencias da musica de seu Pais. Foi então que ele decidiu se dedicar á musica folk de lá.

Transformou-se num dos grandes compositores de Mercedes, cirando canções como “Carito”, em parceria com o correntino Tarragó Ross, um clássico da musica castelhana.

Leon, que me deu a honra de vir participar do DVD que gravei em 2008, é hoje um artista muito respeitado em seu Pais e tem uma carreira internacional consagrada.

Comentei com Mercedes, depois de uma emocionada apresentação sua no Palace, sobre essa “conexão musical” entre um autor brasileiro e outro argentino, uma espécie de “circulo virtuoso”, onde um puxa o outro como um oito infinito. Ela quis saber de tudo e fez muitas perguntas, a mim e ao Leon, que participou do show dela naquela noite, sobre essa historia.

Foi lindo esse encontro.

Depois, em Buenos Aires, numa apresentação de Leon, num concerto frente ao obelisco da avenida Nove de Julho, Mercedes mandou avisar que nos saudaria com sinais de lanterna da sacada de seu apartamento, onde dava para ver o palco.

"Quando Mercedes e Ellis se cruzaram naquele corredor solitário, era a primeira vez que se viam"
Num determinado momento do show a lanterna começou a piscar alucinadamente; Leon, do palco, olhou para mim que estava assistindo da coxia, afastou um pouco o microfone e, sorrindo, disse: “La Negra…”

Quando Mercedes e Ellis se cruzaram naquele corredor solitário, era a primeira vez que se viam.

Se abraçaram demoradamente e, emocionadas, soluçaram juntas; duas das mais belas vozes humanas soluçando juntas.



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