terça-feira, 27 de outubro de 2009

Entre valer ou não uma pitomba

(no blog Vi o Mundo)
por Fátima Oliveira, em O Tempo

"No Brasil, os dialetos, como as culturas, são inúmeros"
Conversava com uma amiga quando soltei que alguém não valia uma pitomba, então nada de perder tempo com o dito cujo. Ela indagou: "O que é valer ou não uma pitomba?" Às vezes falo coisas de difícil entendimento pra gente brasileira "não-nordestina-maranhense". No Brasil, os dialetos, como as culturas, são inúmeros.

Minha amiga é da América Central. Há quase meio século em Beagá, às vezes fala portunhol-mineirês (dose, não?). Apelo para o "espacio" (falar devagar). Mas ela não sabe pedir "espacio" e dana a perguntar tanto que canso... Após umas três cervejas, personificamos tragédias gregas e quase não consegui descrever uma pitomba! Acabei falando de Pitombeira, que é um lugar, antes da pitombeira - árvore grande e frondosa, da mesma família da jabuticaba... Como não conhecia, se já comi pitomba em Beagá?!

"Pitomba é o fruto da pitombeira. Há no Brasil inteiro"
A pitomba é uma baga... E ela: "Baga?!" E eu: "Baga... Não sabe? Ora pitomba, difícil conversar contigo! Pitomba é o fruto da pitombeira. Há no Brasil inteiro. As flores da pitombeira são pequenas, brancas, cheirosas, formam cachos finos e longos - cheiram à magia de namoro debaixo da pitombeira (olha a cerveja subindo...). Quintal com pé de pitombeira cheira que só! No tempo da floração, mata que tem essa árvore cheira a paixão". E ela: "Paixão?"

"Na adolescência, andava de bicicleta no fim da tarde e encontrava meu namorado debaixo dum pé de pitombeira..." Ela: "Num quintal? No mato?" Sem paciência, respondi: "Nããão! No finalzinho da rua do açude havia um pé de pitombeira. Era uma ponta de rua, quase deserta, mas a gente nem beijava na boca, só pegava na mão". E ela: "Uai! Por quê?" Eu, incrédula: "Não podia, ora pitomba! Na época era encantada com um rapaz respeitador, diferentemente de hoje, que dou as contas, rapidinho, se não é bom de pegada".

A pitomba pode ter de um a dois caroços, polpa branca, quase translúcida, fina, suculenta, adocicada e ácida (agridoce). Tamanho? Uns três centímetros e, quando madura, a casca é entre o bege e o laranja. Quebra-se a casca com a mão e "plec", põe na boca - e mexe pra lá e prá cá, com os dentes e a língua, pra saborear; acabou a polpa, joga-se o caroço fora! Daí o ditado "Dançando mais do que pitomba em boca de velho". Onde nasci, os cachos de pitombas, atados em feixe, eram vendidos em feiras e ruas: "Olha a pi-tom-ba... Pi-tooom-ba do-ci-nha, quem vai querer?"

"Por que diz 'não vale uma pitomba', se gosta?" Retruquei: "É uma frutinha besta demais. A polpa é fina demais, embora gostosa. A gente come, come e não enche a barriga. É frutinha de diversão. Menina, eu enchia uma bacia de pitomba e ficava comendo e jogando conversa, e caroço, fora. Hoje há sorvete e até caipirinha de pitomba: seis a oito pitombas mais uma colher das de sopa de açúcar mais 200 ml de cachaça ou vodca. Aguardar umas duas horas. Dar umas balançadas pra polpa soltar; raspar o restante da polpa, delicadamente, com uma colher; e acrescentar gelo".

"E Pitombeira, o lugar? É outra história. Lugarzinho fuleiro, só com três casas e um pé de pitombeira..."
E Pitombeira, o lugar? É outra história. Lugarzinho fuleiro, só com três casas e um pé de pitombeira, onde eu descia do ônibus de São Luís, nas férias. Meu avô mandava o Dé, o vaqueiro, esperar-me na pitombeira com dois animais. Um cavalo de sela, de arreios brilhosos e caçambas de prata (estribo fechado), no qual eu montava, e um burro com dois jacás (para as malas) que o Dé voltava nele. Até em casa eram "seis léguas puxadas". Contando com as oito a dez horas de ônibus em estrada de chão, parece sofrimento, mas eu adorava esse pedaço da viagem...



quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O dia em que encontrei Elomar

Tomei conhecimento deste grande menestrel através do projeto Cantoria, lançado em CDs pela finada Kuarup Discos. Foi através deste registro magnífico do encontro entre outros três mestres da chamada música "Regional" (Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai), que nasceu minha admiração por Elomar Figueira Mello.


Desde então assumi o compromisso comigo mesmo de, assim que surgisse a oportunidade, ver Elomar em uma apresentação ao vivo, antes que o ciclo natural da vida (minha ou dele) impossibilite a realização deste desejo.

O tempo foi passando, a minha admiração se manteve, senão ampliou-se. E a oportunidade não chegava. Há muito havia lido que Elomar odiava (e muito provavelmente ainda odeia) sair de sua "Casa dos Carneiros", situado em pleno sertão baiano, cercanias de Vitória de Conquista. Por isto, foi com grande entusiasmo que vi o cartaz divulgando a apresentação do menestrel em plena "paulicéia desvairada", idos de maio de 2006, no SESC Consolação.

De máquina fotográfica em punho, sigo eu e a digníssima para o esperado momento. Chegamos cedo a ponto de conseguirmos lugares bem na primeira fila. No horário marcado, o menestrel entra de viola na mão. Solitário. Aplausos persistentes e os inevitáveis flashes (dentre eles, os meus), o que faz Elomar advertir logo de início, após apenas os cumprimentos de praxe, que não era de seu agrado fotos durante sua apresentação. Daria sim a oportunidade para a tietagem, porém apenas após o final da apresentação, com direito a autógrafos e tudo o mais no saguão do teatro.

Apresentação memorável, com muita conversa e explicações entre uma música e outra para contextualizar o público do universo de cada umas delas. Seguiram-se "Parcelada", "O Pidido", "Cantiga de Amigo", "Arrumação", "Campo Branco", dentre outras muitas composições do infindável  repertório de Elomar. A certa altura, ele chama ao palco para acompanhá-lo o maestro João Omar, seu filho. Nada mais justo que a força criativa deste menestrel influenciasse fortemente os passos de seu herdeiro e oferecesse ao público um inspirado dueto.


Tudo magnífico. Mesmo para quem, como eu, passou parte da apresentação ouvindo, juntamente com a voz de Elomar, um sujeito que insistia em acreditar que o público tinha se dirigido até ali para ouví-lo cantarolar.

Logicamente, ao final e já no saguão do teatro, não perdi a oportunidade de registrar aquele momento, provavelmente único para mim. O curioso foi que meu troféu, a foto tão esperada, revelou um momento por demais descontraído deste menestrel tão avesso à exposição de sua imagem.

Segue um relato e entrevista com Elomar, a última que tomei conhecimento.


O grande sertão de Elomar
(no Blog do Anderson)

Em entrevista exclusiva ao Cultura, o recluso compositor baiano Elomar Figueira Mello avalia sua trajetória artística, faz críticas aos Estados Unidos, à democracia e às massas, ataca a televisão e diz que não grava mais discos.


Desde que surgiu no cenário da música brasileira, com ...Das Barrancas do Rio Gavião (1972), cantando em uma linguagem dialetal “sertaneza”, Elomar Figueira Mello já apresentava sua proposta de versar sobre o sertão profundo, retomando o universo medieval. Dialogando com a música popular e a música erudita, o cantor e compositor gravou um total de 15 discos, entre 1972 e 1995, compondo óperas, concertos e canções.

Aos 71 anos, o “príncipe da caatinga”, como definiu o poeta Vinícius de Moraes, raramente concede entrevistas, não permite ser fotografado durante seus concertos e realiza poucas apresentações. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Elomar abandonou a capital assim que concluiu o curso, e retornou ao local onde nasceu, o campo, para criar carneiros, ovelhas e bodes. Na fazenda, que recebeu o nome de Casa dos Carneiros, 20 km de Vitória da Conquista, no interior da Bahia, Elomar compôs praticamente todas as suas obras. E recusou-se a compor contra a ditadura.

Em 2007, realizou algumas apresentações pelo Brasil para lançar Sertanílias, seu primeiro romance, publicado de forma independente. No mesmo ano, viajou a Portugal, onde fez uma pequena série de concertos. Em 2008, cancelou o lançamento do que seria o seu primeiro DVD, resultado de um concerto gravado em 2007, que reuniu uma orquestra, contou com a participação dos músicos Xangai, Saulo Laranjeira e Dércio Marques, e reuniu cerca de 2 mil pessoas na Casa dos Carneiros, oficializando a fundação cultural que hoje existe na fazenda.

Segue a continuação do relato e a entrevista com Elomar.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

The Berlin Reunion



O mergulhador Big Giant.


A sobrinha Little Giantess.


O grupo de teatro francês France's Royal de Luxe faz um espetáculo incrível com marionetes gigantes pelas ruas de Berlim, encenando a peça The Berlin Reunion.

A peça conta a história do mergulhador Big Giant e de sua sobrinha Little Giantess, separados durante longo tempo por um muro.

Big Giant acaba de regressar de uma longa e difícil expedição para destruir o muro, na qual foi bem sucedido, e agora tio e sobrinha caminham pelas ruas de Berlim, procurando um ao outro.

O espetáculo fez parte das comemorações do 20º aniversário da queda do Muro de Berlim.

Veja mais fotos aqui.

domingo, 18 de outubro de 2009

The Sound of Music

Estação Central de Antuérpia, região de Flandres, Bélgica. Duzentos dançarinos realizam uma versão de "Do Ré Mi", após terem se preparado com apenas dois ensaios. Um promoção de um programa de televisão belga que procura alguém para desempenhar o papel principal no musical "The Sound of Music".

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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Uma hipótese inconveniente

(no blog A Bacia das Almas)

[…] Observo o quanto a pobreza se entranha na vida dos pobres, e quanto esta somente revela muitas vezes o seu desejo mal sucedido de possuir, de ter acesso ao consumo destruidor de tudo; observo como sua situação se constrói pela sedução das mesmas coisas que seduzem e destróem os ricos. O mesmo individualismo, o mesmo egoísmo, a mesma tendência a sentir-se confortável e identificado com a posse das coisas.
DESISTI DE AJUDAR OS POBRES,DE SERVÍ-LOS E DE SALVÁ-LOS

E a adesão inegociável a um estilo de vida e modo de pensar que os prende ao mito da necessidade moderna, ao desejo mítico de evoluir e à submissão ao mito do desenvolvimento.

Igualmente a ricos, pobres e remediados estão convencidos de que o que precisam é de algo que o mercado, o dinheiro, o governo ou alguma agência pode lhes oferecer. Que serão felizes com a posse, com a pança cheia (uns com pão, outros com brioches) e com o fluir permanente do dinheiro que tudo pode e tudo resolve. E dentre estes, alguns bem intencionados estendem a mão para “incluir” outros no estilo de vida ou no patamar que alcançaram. À mão estendida de cima para baixo chamamos serviço.
Jesus não tem nenhuma boa notícia para quem serve os pobres.

Descobri ao longo dos anos que a própria posição de servir aos pobres, de compromisso com a libertação, estava cheia de superioridade, daquele tipo de superioridade que se traduz por dar ao outro o que eu tenho. Sutilmente, com meus atos, assumo que o que eu tenho ou faço era o que ele deveria ter ou fazer – uma tradução percebida na sutil arrogância das tais políticas de “inclusão”, sempre buscando colocar o outro dentro da caixa onde vivo, incluído no meu estilo de vida.

[…] Desisti de ajudar os pobres, de servi-los e de salvá-los. E isso porque tenho re-descoberto uma verdade dura: a de que Jesus não tem nenhuma boa notícia para quem serve os pobres. Jesus não veio trazer boas notícias a quem serve os pobres, ele trouxe uma boa notícia aos pobres. Ele não tem nada a dizer a outros salvadores, a quem disputa com Ele o cargo de Messias, de Redentor. A agenda de Jesus só traz uma mensagem aos que se reconhecem pobres, nus, feridos, cansados, sobrecarregados, carentes e sem esperança. Aos demais, sua agenda tem pouco ou nada a oferecer

A única maneira de permanecer com os pobres é se descobrimos que somos nós mesmos os miseráveis. É se reconhecemos a nós mesmos, ainda que bem disfarçados, naquele que está diante de nossos olhos.
Deus não se apresenta em nossa capacidade de curar, mas em nossa necessidade de sermos curados.
Ao encontrarmos neles nossa miséria, ao nos dar-mos conta de nossa carência, da desesperada necessidade de sermos salvos, aí nos encontramos com a agenda de Jesus.

Deus não se apresenta em nossa capacidade de curar, mas em nossa necessidade de sermos curados. Descobrir esta nossa fraqueza nos coloca sem nada para oferecer, servir, doar, mas revela nossa necessidade de sermos amados, curados e restaurados.

Desisti de servir aos pobres. Estou voltando a encontrar os pobres e me encontrar neles. Voltei a descobrir a miséria que se esconde nas vidas bem montadas de nossa falsa segurança. E com isso posso entender o Jesus que fala com leprosos e com ricos homens de negócios, com cobradores de impostos em suas festas e com enfermos miseráveis. Em sua identificação com todos e cada um Ele via o que talvez mais ninguém via: a extrema miséria e pobreza da condição humana, independente de qualquer status ou roupagem social.

***

De um texto absolutamente devastador do insubordinado Claudio Oliver. Posso ter de processá-lo por massacrar sem dó as ilusões que venho alimentando tão ternamente há anos.

Leia na íntegra clicando aqui, se tiver coragem de ser visto na rua com Deus.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Uma definição genial

Suspensórios
(no ¡Drops da Fal!)
"Sarney é o Brasil de suspensórios"


Mais que injustas, as acusações feitas ao doutor Sarney foram crime de lesa-pátria.

O senador maranhense é o retrato, é a síntese do Brasil.

Valho-me de frase que escrevi no Correio Braziliense: Sarney é o Brasil de suspensórios.

Mais não digo, por desnecessário. Passem bem e muito obrigado.


Eduardo Almeida Reis, no Estado de Minas - genial.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

"Casas entre bananeiras"


Cândido Portinari. Paisagem com bananeiras. 1927.


Carlinhos medita: "Casas entre bananeiras".
Enquanto o tempo se arrasta em horas matreiras,

O vento bate nas folhas fartas e verdes a balançar.
Naquela tarde de inverno, nem quente nem fria, "devagar",

Uma paisagem interiorurbana inspira Carlinhos:
"pomar amor cantar".

E, sem pressa porém muito encanto, o lápis segue,
Sobre o papel antes alvo agora velho: "Devagar..."

"Devagar... as janelas olham",
Enquanto Carlinhos se admira: "Eta vida besta, meu Deus".

domingo, 11 de outubro de 2009

Pense

(no blog A Trilha)

Pensar não é difícil. Pode ser perigoso, mas não é complicado; pode ser trabalhoso, mas não é proibido.

"A religião de certezas não tolera que a espiritualidade conviva com incertezas"
É preferível correr o risco de se expor à ameaças de um herege peçonhento como eu do que ser encabrestado por um professor obtuso e preconceituoso. É muito mais digno ter opinião própria do que repetir preconceitos alheios.

A religião tenta preservar-se criando "Guantánamos" onde joga aqueles que ela considera terroristas. Lá mofam os "Galileus" que ousaram afirmar suas constatações científicas; lá apodrecem os "Huss" que não se conformaram com as viseiras farisaicas que lhes foram dadas; lá morrem os "Martin Luther Kings" que não se curvaram ao "status quo".

A religião de certezas não tolera que a espiritualidade conviva com incertezas. O fariseu precisa criar sistemas lógicos para que suas opiniões perdurem inabaláveis. Ele apedreja todos os que se expuserem a outras verdades. E quem tiver a petulância de pedir explicações será exilado.

A postura da elite eclesiástica é: rotule-se como apóstata todo o que olhar por cima das nossas cercas para ver se há alguma vida fora do nosso estreito corredor dogmático.

sábado, 10 de outubro de 2009

Mujeres Argentinas & Gauchas

Por Renato Teixeira. (no Blog do Nassif)

"Havia entre elas uma admiração incontida. Mas não se conheciam."
Pensei em não escrever sobre Mercedes. Não sou ligado em obituários, embora, muitas vezes, eles sejam inevitáveis.

Então, em vez do obituário, vou contar um lindo episódio que aconteceu um dia, quando a Ellis e a Mercedes, finalmente, se conheceram pessoalmente.

Havia entre elas uma admiração incontida. Mas não se conheciam.

Ellis, que sempre soube de sua grandeza, tinha um comportamento, não diria complicado, mas bastante critico em relação á qualidade artística das pessoas; jamais rasgaria sedas para Mercedes e fingia não valorizar muito a grandeza da outra. Mas seu olhar não sabia esconder suas verdades. Ellis mirou em Mercedes quando decidiu interpretar “Gracias a La Vida”, de Violeta Parra. São as duas maiores interpretações, entre as muitas, que essa canção já teve. A gravação de Ellis foi uma clara e personalíssima declaração de amor á Mercedes.

Ellis gravou minha musica “Romaria”, uma canção que, de certa maneira, “latiniza” um pouco a musica caipira.

“Importei” muitas coisas da nova canção folck que se estabeleceu na Argentina quando Mercedes decidiu ir além, abrindo mão dos confortos todos em nome das liberdades dos povos, e fez soar os tambores com canções cheias de conteúdo humano. “Romaria” tem, em seu DNA, um pouco do sentimento emocionado que se ouve nas milongas de Athaualpa de Yupanqui, por exemplo.

O disco de Mercedes que abriu os horizontes musicais que norteiam meu trabalho até hoje, chamava-se “Mulheres Argentinas”.

E, assim, começou a escalada; gravei meus primeiros discos.

Durante uma excursão a Hushuaya, na Terra do Fogo, ao sul Argentino, o compositor Leon Gieco ouviu algumas das minhas musicas e, segundo suas próprias palavras no livro que escreveu sobre essa “gira al sur” , como eles dizem, identificou a influencia de Mercedes no meu trabalho e comentou com os músicos de sua banda que os brasileiros estavam usando bem as influencias da musica de seu Pais. Foi então que ele decidiu se dedicar á musica folk de lá.

Transformou-se num dos grandes compositores de Mercedes, cirando canções como “Carito”, em parceria com o correntino Tarragó Ross, um clássico da musica castelhana.

Leon, que me deu a honra de vir participar do DVD que gravei em 2008, é hoje um artista muito respeitado em seu Pais e tem uma carreira internacional consagrada.

Comentei com Mercedes, depois de uma emocionada apresentação sua no Palace, sobre essa “conexão musical” entre um autor brasileiro e outro argentino, uma espécie de “circulo virtuoso”, onde um puxa o outro como um oito infinito. Ela quis saber de tudo e fez muitas perguntas, a mim e ao Leon, que participou do show dela naquela noite, sobre essa historia.

Foi lindo esse encontro.

Depois, em Buenos Aires, numa apresentação de Leon, num concerto frente ao obelisco da avenida Nove de Julho, Mercedes mandou avisar que nos saudaria com sinais de lanterna da sacada de seu apartamento, onde dava para ver o palco.

"Quando Mercedes e Ellis se cruzaram naquele corredor solitário, era a primeira vez que se viam"
Num determinado momento do show a lanterna começou a piscar alucinadamente; Leon, do palco, olhou para mim que estava assistindo da coxia, afastou um pouco o microfone e, sorrindo, disse: “La Negra…”

Quando Mercedes e Ellis se cruzaram naquele corredor solitário, era a primeira vez que se viam.

Se abraçaram demoradamente e, emocionadas, soluçaram juntas; duas das mais belas vozes humanas soluçando juntas.



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A Vila



Joan Miró.the Village Prades. 1917.

"Uma vila de localização imprecisa, largada em algum lugar, para lá de não sei onde, pertinho de lugar algum"

Poucos já haviam, algum vez na vida, ouvido falar daquele lugar. Uma vila de localização imprecisa, largada em algum lugar, para lá de não sei onde, pertinho de lugar algum.

Fossem interrogados, muitos diziam, já com aquele ar de altivez que só a arrogância mal-disfarçada consegue produzir, ser algo improvável que uma vila como aquela não fosse apenas cenário de algum sonho sem pé nem cabeça ou então de algum filme incomum, misto de ficção com realismo fantástico.

O caso é que a mencionada vila insistia em existir. Ninguém pessoalmente já havia encontrado alguém que nela tivesse nascido e se criado, apesar de existirem boatos, todos eles de mal-dissimulada relutância, invariavelmente atribuídos a conhecidos de amigos, que conversaram diretamente com nativos daquelas terras de existência suspeita.

Por mais improvável que pudessem parecer, volta e meia, sem por quê nem por onde, novos boatos apareciam sem nenhum alarde ou propaganda, quase que envergonhados pelo disparate com que soavam tais histórias.

Assim, fadada estava como sempre esteve aquela vila, em algum lugar, para lá de não sei onde, pertinho de lugar algum.