quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A árdua tarefa de se iniciar um livro



"A empreitada [escrever um livro] é fascinante. Ainda quando não tenha significação maior na história da literatura dos povos do Ocidente, nem nos do Oriente, costuma ser da maior importância para quem fica sentado diante de um computador, horas a fio, feito bobo, persuadido de que pode impedir que a vaca vá para o terreno sáfaro e agreste, que só dá urzes, também conhecido como urzal ou brejo.

Alguns escribas, mais desinibidos, pensam ter condições de salvar a pátria, e não faltam aqueles que, estimulados pela caspa abundante e pelos companheiros de mesa de bar, estão rigorosamente convencidos de que podem consertar a humanidade.

Pensando compor seu livrinho, o autor já se aborrece de véspera, na papelaria do bairro, quando não encontra um pacote de papel A-4 Laserwork, porque acredita piamente que sua impressora a jato de tinta requer aquele tipo de papel, para apresentar serviço à alguma coisa escrita por aquele jumento.

Até os editores, às vezes, afetam demonstrar certo interesse pelo novo livrinho, interesse que deixa de existir quando o autor aparece na empresa levando a pasta com os originais, ou manda o disquete pelo correio. E o certo é que, algumas vezes, encaminhamos originais para altura da obra que pretende compor. E um livro supimpa requer impressão da maior supimpitude, pensa o autor, enquanto promete recorrer ao Aurélio, para ver se tem supimpa e supimpitude.

Com a escolha da fonte em que vai compor sua obra, tarefa dificultada pelos CD-ROMs que têm até 10.000 (dez mil!) fontes diferentes, nosso amigo vai à luta depois de discutir com a mulher, partidária da American Bold BT, com os filhos, que se dividiram entre as fontes English 157, Dom Casual BT e Impress BT, e com a sogra, partidária da Modern, ela que é uma velha insuportável.

Fixado, finalmente, na Times New Roman, normal, 12, e na certeza de que, qualquer que seja a fonte escolhida, vai ser mudada pelo artista que opera o page-maker da editora, cujos conceitos estéticos são naturalmente diversos dos de um produtor de leite," nosso amigo está em condições de iniciar seu trabalho pela etapa mais complicada, qual seja, o primeiro capítulo.

Eduardo Almeida Reis, em As vacas leiteiras e os animais que as possuem.

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